Coesão para inovar
Indústrias nas quais a linha de frente lida com ambientes mais desafiadores costumam abrigar conflitos entre essas equipes e aquelas que as apoiam dos bastidores. Nesses contextos, entre a turma do escritório e o pessoal da linha impera uma boa dose de rivalidade, quando não profundos ressentimentos que acabam prejudicando a necessária coesão do pessoal para o melhor desempenho empresarial.
Uma dramática ilustração dessa tradicional tensão vem do início do século passado. Soldados que lutavam no terrível campo de batalha da Primeira Guerra Mundial desprezavam as tropas administrativas. Assim eram chamadas as equipes que trabalhavam no Services of Supply, unidade criada em 1917 pelo general John Pershing para coordenar a complexa cadeia de suprimentos do exército norte-americano naquele conflito.
Desde então ocorreu uma notável evolução nos sistemas de suprimentos militares, especialmente em situações de engajamento nos conflitos. Dentre os vários aspectos das novas doutrinas, a linha de suprimentos foi alçada das hierarquias mais baixas para uma posição de destaque. Nas forças armadas mais avançadas as equipes de apoio são cada vez mais valorizadas, no mesmo grau de importância daquelas em zona de combate.
Em mercados mais competitivos, em particular, na indústria da construção, é notável o gradativo aumento de coesão entre as equipes do apoio e da linha, somado a um notável apaziguamento na antiga rivalidade entre os dois grupos de trabalho. Têm sido mais valorizadas aquelas empresas em que linha e apoio atuam de forma coordenada, com forte alinhamento às estratégias do negócio. Essa sintonia é facilitada pela aquisição de metodologias e tecnologias que administram de forma integrada as jornadas de planejamento, projeto, logística e execução. Dentre elas, destaca-se o BIM.
Poucos temas são mais dependentes do alinhamento entre linha e apoio do que a inovação aberta. Especialmente na engenharia de grande porte, onde algumas particularidades acabam concorrendo para dificultar a coesão. Por exemplo, o ambiente de trabalho no canteiro é bastante distinto daquele dos escritórios. Linha e apoio vivenciam diariamente atmosferas muito diferentes. Em grandes obras existe muita poeira, muita poluição sonora, e
os riscos de segurança física são significativos. Um outro mundo quando comparado àquele experimentado pelas equipes de apoio. E a turma responsável pela inovação passa a maior parte dos seus dias entre hubs e escritórios da companhia.
Neste contexto, é difícil dedicar atenção à inovação aplicada na obra e ela deixa de ser percebida como necessidade imediata pela linha, que se vê sistematicamente pressionadas pelas questões de segurança, por prazos apertados e pelo controle dos custos. Sem contar a pressão exercida pela enxurrada de afazeres diários, que vão da administração de pessoal ao pagamento dos fornecedores.
O fato é que inovação não deve parecer um luxo somente acessível ao apoio. Este seria um erro fatal para o negócio. Inovar é, cada vez mais, uma necessidade vital e uma questão de sobrevivência para as empresas. Todos os anos vemos tecnologias disruptivas transformarem indústrias inteiras e levarem à bancarrota empresas tradicionais. No jogo veloz da inovação, aquele que não estiver bem-preparado será rapidamente excluído do jogo. Por isso, construtoras precisam encontrar boas equações entre linha e apoio para mobilizar esforços pela inovação, assimilando novas tecnologias e novas metodologias mais produtivas e mais competitivas.
Por sua vez, programas de inovação devem ser sensíveis e atentos aos desafios da linha para apoiá-la na adoção mais facilitada quanto possível das mais efetivas inovações em termos de custo, tempo e efetividade. A experiência demonstra que o melhor caminho para isso é a criação de relacionamentos positivos, especialmente pela convivência nos canteiros, em contato com os desafios diários. Daí emergem os movimentos mais bem-sucedidos que combinam startups, provas de conceito e qualificação de iniciativas inovadoras para a construção civil.
Afinal, não se lidera mercados sem inovação e não se vencem batalhas sem times altamente integrados e coesos.
Claudio Cardoso | OEC IN | junho 2023