Inovação + Tecnologia como instrumentos para a produtividade
Após trinta e sete anos do lançamento do filme “E.T.: O Extraterreste”, foi veiculado recentemente na Internet pela empresa de tecnologia e entretenimento Xfinity (do grupo COMCAST) um comercial no qual o famoso personagem retorna ao planeta Terra nos dias atuais e, ao reencontrar Elliot, é surpreendido pelos grandes avanços tecnológicos ocorridos aqui desde a sua última visita. Mas se o menino Elliot - hoje um homem com cerca de 45 anos e família constituída – tivesse escolhido a profissão de Engenheiro e trabalhasse no mercado da Construção Civil, talvez a nova experiência do pequeno alienígena tivesse sido um pouco diferente e meio frustrante, com a constatação de que as coisas não mudaram tanto assim nesses últimos anos, causando a impressão de uma grande estagnação.
De fato, de uma forma geral, as técnicas hoje adotadas nos canteiros não diferem substancialmente daquelas empregadas em 1982 (ano de lançamento do filme), em particular na área da Construção Civil pesada. Muito embora os recursos de tecnologias hoje disponíveis, que vêm impactando as mais diversas áreas e causando grandes transformações no mercado profissional e na vida das pessoas, tais como Inteligência Artificial (AI), Big Data, Block Chain, Internet das Coisas (IoT), sejam igualmente aplicáveis no ramo da Construção – se não diretamente na atividade-fim, ao menos nas diversas tarefas e atividades complementares de gestão de pessoas e processos – a transformação nesse setor é ainda incipiente.
Muito se fala hoje em “Inovação”, uma palavra que entrou em moda e passou a fazer parte do vocabulário corporativo de qualquer empresa ou negócio, em especial nas peças publicitárias. Centros de Inovação com arquiteturas rebuscadas e “salas de ideação” repletas de Post-its coloridos surgem em todos os lugares e eventos de toda sorte acontecem quase todos os dias. Mas o que é, em que consiste exatamente a Inovação e como é possível praticá-la de uma forma eficaz, para que esta realmente traga benefícios ao negócio, como ganho de eficiência e aumento de produtividade? Este artigo procura responder estas questões, trazendo as discussões para o campo da Construção Civil pesada.
Conforme definido no guia “Metodologia Corporate-up” [1], Inovação é um processo racional para resolver problemas reais de uma forma eficiente em ambientes de grandes incertezas. Neste mesmo artigo, considera-se que uma iniciativa inovadora pode ser classificada em três níveis, com impactos (e riscos) crescentes nos resultados esperados do negócio, a saber: (1) Inovação incremental: de menor risco, que consiste na implementação de melhorias nos produtos existentes, com aplicações de soluções disponíveis no mercado; (2) Inovação adjacente: de risco intermediário, com o desenvolvimento de novas soluções em mercados já dominados pela organização; ou (3) Inovação transformacional: de maior risco, que foca em melhorias para a conquista de novos mercados. Uma abordagem similar é utilizada pela empresa McKinsey, referida como “The Three Horizons of Growth”, conforme ilustrado abaixo.
McKinsey's Three Horizons of Growth, apud Ref. [2].
Nota: (Horizon 1 = Inov. incremental; Horizon 2 = Inov. adjacente; Horizon 3 = Inov. transformacional)
Conforme descrito no parágrafo anterior, deve-se enxergar a Inovação como uma metodologia, com métricas e resultados mensuráveis no decorrer do processo. Sendo assim, deve-se ter em mente que tecnologia e procedimentos são meras ferramentas utilizadas neste processo, cujo resultado esperado é o ganho de eficiência e maior produtividade em determinada atividade, conforme ilustrado esquematicamente na figura abaixo:
Na fase atual de reestruturação da Odebrecht Engenharia & Construção (OEC), como reação a uma das piores crises ocorridas na economia brasileira que se iniciou em meados de 2015, considera-se que investir em inovação é uma estratégia importante para garantir a sobrevivência e permitir a retomada do crescimento.
Nesse contexto, propõe-se no presente artigo uma linha de atuação para um Programa de Inovação corporativo com o objetivo de capacitar a empresa para diferenciá-la na conquista de novos contratos, almejando-se tanto o ganho de eficiência e a melhora no desempenho das obras, como o aprimoramento da segurança nos canteiros.
Para tanto, recomenda-se o emprego de uma metodologia já consagrada (com assessoria e acompanhamento capacitado) para promover um processo de inovação de forma sistemática e mensurável, fiel à estratégia de errar “cedo e barato”, visando-se a diminuição dos riscos inerentes aos processos de inovação e a otimização de recursos: Estes são aplicados progressivamente à medida o problema a resolver se torna mais conhecido e a metodologia proposta é testada.
Sugere-se estruturar o programa com base na seguinte estratégia, tendo-se em conta os níveis de inovação referidos acima:
1. Inovação incremental:
- Identificação e contratação de Startups/Construtechs ou empresas constituídas, com soluções já disponíveis que possam ser prontamente empregadas/adaptadas para agregar eficiência, agilidade ou melhorias nos processos executados nos canteiros e/ou nos processos administrativos dos escritórios;
- Fazer uso de Hubs de Inovação para a busca de novas tecnologias e soluções que tenham aderência aos problemas da empresa;
- Identificação e adesão às novas tecnologias baseadas em BIM para estruturar a empresa ao grande salto tecnológico proporcionado pela Transformação Digital, com vistas a permitir uma maior racionalização da fase de construção e adequar a empresa às novas exigências de mercado;
- Como ação complementar, recomenda-se capacitar e treinar um núcleo corporativo em sistemas BIM para promover e apoiar o uso desta tecnologia na empresa.
2. Inovação adjacente:
Desenvolvimento de ferramentas que visem:
- Eliminar de “gargalos” de produção ou a agilização de processos manuais recorrentes nos canteiros ou escritórios;
- Promover o acesso rápido à informação, como vantagem competitiva;
- Facilitar a busca de soluções ou boas práticas no acervo técnico da empresa, automatizando e facilitando os processos de consulta para transformar a informação em conhecimento;
- Prover soluções on demand para as obras, com base no estabelecimento de desafios estabelecidos a partir das solicitações dos canteiros, mobilizando Startups nos Hubs de Inovação para resolvê-los.
3. Inovação transformacional:
- Nesse campo estão as inovações disruptivas e a oportunidade de aprimoramento das atividades e processos da Engenharia, pela integração com instituições de ensino e pesquisa. Sobre este tema, refere-se ao interessante artigo de Jianxi Luo [3], que aborda a complementariedade entre Ciência, Design e Empreendedorismo como subprocessos da Inovação. É importante estabelecer relações com Universidades e Centros de Tecnologia consagrados, com vistas a parcerias estratégicas para mobilização futura, em um contexto econômico mais favorável. Planta-se assim uma “semente” promissora para iniciativas técnicas mais elaboradas em um futuro próximo (em referência ao diagrama da McKinsey, Ref. [2]).
Os ganhos esperados destas iniciativas resultam principalmente da eliminação de etapas intermediárias muitas vezes desnecessárias, que acarretam grande ineficiência aos processos. Com a automação, evitam-se os “tempos mortos” decorrentes destas atividades indesejadas, além de agregar mais confiança aos processos, pela eliminação de possíveis erros humanos na execução de tarefas repetitivas. Quando se leva em conta que a maioria das atividades e processos passíveis de automação se repetem muitas vezes em uma obra e que estes podem ainda ser escalados (i.e. aplicados em obras similares), pode-se ter uma ideia do potencial de ganho que mesmo pequenas iniciativas podem representar para a empresa. A isto se somam os ganhos oriundos do aumento da competitividade e das vantagens competitivas da eficiência ao acesso à informação.
Estes são os benefícios previsíveis. Com uma equipe dedicada e estruturada para promover a Inovação na empresa, há sempre a possibilidade de ocorrer uma melhoria de maior impacto, com a geração de novos produtos, com potencial disruptivo.
As seguintes áreas são passíveis de automação de processos por meio da estratégia aqui sugerida: Área Administrativa, RH, Gestão e controle de Contratos, Gestão das obras, Compliance, Engenharia (BIM).
A implementação do framework acima proposto, no entanto, representa um grande desafio, amplificado pelas características próprias decorrentes da estrutura organizacional da OEC, referentes à descentralização e autonomia do corpo de executivos responsável pelas obras. Em consequência, a equipe dedicada à inovação está perto das soluções, mas longe dos problemas reais do dia a dia. Como influenciar o mindset dos integrantes, promover o engajamento das equipes da linha e incutir a cultura da inovação em tais condições? Como em qualquer processo desta natureza, é primordial que contar com recursos financeiros compatíveis com o grau de transformação que se deseja implantar, o apoio e o engajamento da liderança, a formação de um Comitê interno dedicado, além de promover mecanismos e uma estratégia de comunicação para reduzir a “distância” entre a equipe corporativa e a linha. A participação de todos e fundamental para o sucesso desta empreitada.
REFERÊNCIAS
[1] Guia “Metodologia Corporate-up”, Semente Negócios, https://www.sementenegocios.com.br/;
[2] Wright, T. “McKinsey's Three Horizons of Growth Can Help You to Innovate”, Blog: https://www.executestrategy.net/blog/mckinseys-three-horizons-of-growth, Abril/2018;
[3] Luo, J. “Um processo de inovação integrado: ciência, design e empreendedorismo como subprocessos”, PDM – Project Design Management, n. 87, junho/julho 2019;
Sobre os autores:
Daniel Lepikson Oliveira é Engenheiro Mecânico e Civil, Mestre e Doutor em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP). Especializado em Engenharia de Estruturas, trabalhou como Engenheiro Civil no Setor de Processos Construtivos da Odebrecht de 2008 a 2017. Posteriormente, integrou a equipe de engenheiros calculistas da empresa alemã sbp – schlaich bergermann partner, em Stuttgart, Alemanha durante o ano de 2018.
Atualmente está no Setor de Engenharia da OEC e é responsável pela implementação de um programa de inovação na empresa.
Adhemar Bragança é Engenheiro Eletrônico formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Trabalha como Analista de Sistemas da OEC desde 1998, na área de Engenharia.