28/06/2023

A perspectiva do olhar feminino desde o universo masculino

Universo OEC
Juliana Baiardi

Refletir sobre experiências e situações em que superamos desafios nos ajuda a criar resiliência e a reforçar a autoconfiança, posturas que considero motrizes para a realização pessoal e profissional. Desejo que esse exercício de revisitar minha história ajude outras pessoas, principalmente mulheres, a trilharem seus caminhos.
 
Sou filha única; tenho três irmãos e um pai muito forte em lideran- ça. Por isso, absorvi muito do universo masculino, suas linguagens, competitividade, necessidade de superação, visão da autossuficiência, resiliência e independência, criada e educada em um ambiente conservador, cercada de figuras fortes. Formei em Engenharia Civil, pela Universidade Federal da Bahia, em 1997, outra vez um ambiente dominado por homens. Assim como no meu primeiro trabalho, estagiando nos segmentos imobiliário e de saneamento, quando liderei, na grande maioria do tempo profissionais da construção, com idade superior à minha e, muitas vezes, com menor nível de escolaridade. Um ambiente desafiador para uma jovem de 20 anos.

Apesar de gostar e me sentir estimulada pelo ambiente, estava decidida a me aventurar no setor financeiro. Assim, deixei Salvador rumo ao Rio de Janeiro, onde ingressei em um grande banco europeu. Embora o setor seja formado por profissionais com escolaridade diferente da média do mundo das grandes obras, continuava sendo, naquele tempo, um ambiente ainda masculino, mas já com alguma presença feminina, o que me deu a oportunidade de, pela primeira vez, ser liderada por uma mulher. Passei então a conviver com outras companheiras que, não somente pela menor expressão numérica, se uniram, nutrindo amizade e parceria que perdura até hoje.

Era o início dos anos 2000 e minha opção pelo mercado financeiro se consolidava. Decidi investir em minha preparação, e cursei o programa de Master of Business Administration da Universidade de Columbia (NY), o que fez com que me mudar para os Estados Unidos e trabalhar em Wall Street deixasse de ser um sonho para se transformar em meta.

O MBA foi um ambiente altamente diverso e estimulador, com pessoas de várias culturas, crenças e valores, que contribuíram para eu compreender com mais clareza o poder da diversidade como agente transformador — potencialmente nas empresas. Foi também durante o curso que surgiu a oportunidade de ingressar em uma das maiores instituições financeiras do mundo, onde fiquei por uma década, e atuar no coração de Wall Street.

Nesse período, desenvolvi o senso de liderança, busca por resultados, sem receio, sem barreiras, sem estar subjugada pelas circunstâncias do ambiente, ainda predominantemente tomado pela presença e pelo pensamento masculino. Compreendi também que assimilar as origens, e processá-las no consciente, é um exercício fundamental para o desenvolvimento da sua liderança. Ao compreender o impacto da origem, aceitamos a individualidade e reforçamos a resiliência.

Depois de mais de uma década no mercado financeiro, então mãe de duas filhas, senti que precisava assumir maior controle da minha agenda, com equilíbrio entre as diversas faces e multiplicidades do universo da mulher. Já em São Paulo, em 2011, tive a oportunidade de voltar ao setor de infraestrutura, no setor de investimento e operação de ativos concessionados, um desafio que me estimulou profundamente, dentre outros aspectos, por se tratar de um segmento que trazia o desafio de buscar espaços para diversidade de gêneros. Não havia naquela época uma mulher ocupando a posição de CEO nas empresas do grupo empresarial no qual ingressei.

Nesta etapa, eu estava focada e mais resiliente, me permitindo aplicar meus aprendizados para elaborar e implementar políticas de equidade de gênero, incentivar e promover mulheres a postos de liderança. Fui promovida à primeira CEO mulher de uma empresa desse grupo empresarial, assumindo a posição de CEO da maior empresa privada de saneamento brasileira a época, e, na sequência, sobre a base do desempenho e obtenção dos resultados com a prática da equidade de gêneros, também fui a primeira a liderar no grupo uma companhia concessionária privada de transportes, responsável por portos, aeroportos e rodovias no Brasil.

Já no final da década, ampliei minha experiência, movendo-me para o setor agroindustrial, outra vez, um universo predominantemente masculino, no qual já ingressei como CEO e tive a oportunidade de ampliar a participação de mulheres na produção agrícola, atuando como operadoras de colheitadeiras, dentre diversas outras funções na cadeia produtiva.

Estava no topo da cadeia corporativa e, juntamente com a entrega dos resultados, me comprometi com a missão de derrubar barreiras ligadas à discriminação de gênero, disseminando entre as pessoas lideradas por mim os aprendizados e a sensibilidade adquiridos em minha trajetória, juntamente com o conjunto de tendências do mercado empresarial. Nesse sentido, com uma cultura de base fortemente humanística, direcionada para o desenvolvimento das pessoas, o grupo empresarial onde trabalho há 12 anos me permitiu atuar com diversidade, equidade e inclusão, contribuindo para a redução das desigualdades.

Atualmente, começo a mirar uma transição da carreira executiva para a de conselheira, em um momento no qual a igualdade de gêneros ganhou projeção mundial, permeando todos os setores. Acredito que para mudar a realidade da liderança feminina é preciso encorajar e apoiar as mulheres desde cedo, criando oportunidades de aprendizado e desenvolvimento profissional. É fundamental que as empresas adotem políticas e metas de igualdade de gênero e promovam a diversidade em suas equipes. Como postura individual, acredito que resiliência e autoconfiança são habilidades que podem ser desenvolvidas com prática e disciplina. A dedicação e a sensibilidade femininas, conjugadas à resiliência e à determinação — sem assombros ou intimidação pelo meio —, constituem a liderança de que precisamos hoje. E a líder pode ser você.

Juliana Baiardi